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20 de jun. de 2011

Ética

Vou falhando as pequenas coisas
que me são solicitadas.
Sentindo que as ciladas
se acumulam cada vez que falo.
Preferi hoje o silêncio.
A ausência de equívocos
não é partilhável.
No inegociável deste dia,
destituo-me de palavras.
O silêncio não se recomenda.
Deixa-nos demasiado sós,
visitados pelo pensamento.


Luís Quintais
in «Lamento», 1999

15 de jun. de 2011

A lancha negra


Para velar da luz a face refulgente
Nuvens pesadas vão correndo acumuladas,
E, na treva do oceano, as vagas compassadas
Passam, uma por uma, interminavelmente.

Mais do que a sombra, escura, avulta de repente
A lancha negra, vem... dos remos as pancadas
Ferem o mar, que chora, em gotas prateadas
As lágrimas sem fim, da sua dor pungente.

Eila a meus pés, a lancha, e nela, silenciosa,
Embarca a doce e branca imagem de outra idade!
E vejo-a ir... sumir-se... a lancha misteriosa!...

Então, dentro de mim, num soluço, a saudade
Murmura, a perscrutar a sombra tenebrosa:
Nunca mais voltarás, nunca mais! Mocidade.

Adelina Lopes Vieira
Em: A Faceira, ano 1, n. 4, nov. 1911.

Adelina Amélia Lopes Vieira nasceu em Lisboa em 20 de setembro de 1850 e morreu no Rio de Janeiro em 1922(?). Escritora, contista, professora e teatróloga, era filha de Valentim José da Silveira Lopes e de Antonia Adelina. Seus pais vieram para o Brasil quando ela tinha um pouco mais de um ano. Ficou conhecida no Brasil como autora de contos para crianças. Escreveu com sua irmã Júlia Lopes de Almeida Contos infantis (1886). Formou-se professora pela Escola Normal do Rio de Janeiro. Escreveu peças de teatro, foi tradutora e colaboradora de periódicos, como o jornal O Tempo, onde defendia a política de Floriano Peixoto, e a revista A Mensageira. Traduziu A terrina, comédia em um ato, de Ernesto Hervelly. Publicou o livro Margaritas, no Rio de Janeiro em 1879 e o conto Destinos, publicado em 1890. Escreveu peças teatrais como A viagem de Murilo, drama em verso, As duas doses, drama, e Expiação, drama em três atos e um prólogo. Na revista A Faceira encontramos de sua autoria o soneto A lancha negra.

13 de jun. de 2011

DANÇA DO VENTO


O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e redopia
e tudo baila em redor!

E diz às flores, bailando:
- Bailai comigo, bailai!
E elas, curvadas, arfando,
Começam, débeis, bailando,
E suas folhas tombando
Uma se esfolha, outra cai,
e o vendo as deixa, abalando,
- e lá vai!...

O vento é bom bailador,
baila, baila e assobia,
baila, baila e redopia
e tudo baila em redor!

E diz às folhas caídas:
- Bailai comigo, bailai!
No quieto chão remexidas,
as folhas, por ele erguidas,
pobres velhas ressequidas
e pendidas, como um ai,
bailam, doidas e chorando,
e o vento as deixa, abalando,
- e lá vai!...

Refrão

E diz às ondas que rolam:
- Bailai comigo, bailai!
E as ondas no ar se empolam,
em seus braços nus o enrolam,
e batalham,
e seus cabelos se espelham
nas mãos do vento, flutuando,
e o vento as deixa, abalando,
- e lá vai!...

Afonso Lopes Vieira
( Portugal 1878-1946)

10 de jun. de 2011

147



Olhai que ledos vão, por várias vias,
Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros,
A quentes regiões, a plagas frias,
A golpes de Idolátras e de Mouros,
A perigos incógnitos do mundo,
A naufrágios, a pexes, ao profundo.

Luis Vaz de Camões
De os Lusiadas

(1.524 — 10 de Junho de 1.580)

8 de jun. de 2011

A um poema

A meio deste inverno começaram
a cair folhas demais. Um excessivo
tom amarelado nas imagens.
Quando falei em imagem
ia falar de solo. Evitei o
imediato, a palavra mais cromática.

O desfolhar habitual das memórias é
agora mais geral e também mais súbito.
Mas falaria de árvores, de plátanos,
com relativa evidência. Maior
ou menor distância, ou chamar-Ihe-ei
rigor evocativo, em nada diminui

sequer no poema a emoção abrupta.
Tão perturbada com a intensa mancha
colorida. Umas passadas hesitantes.
entre formas vulgares e tão diferentes.
A descrição distante. Sobretudo esta
alheada distância em relação a um Poema.



FIAMA HASSE PAIS BRANDÃO
Três Rostos

3 de jun. de 2011

POEMA ÀS FLORES DE OUTONO


Agora vou reclinando o corpo
entre a terra e as estrelas.

O espaço é breve
para a brisa do mar
que ainda soa.

E no entanto adormeço
no meu sonho,
sereno de harmonias

incendiando o fino pó
da terra
com estas flores violentas,
exíguas, do outono.


Vieira Calado