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1 de abr. de 2009

João de Deus


De seu nome completo João de Deus Ramos, poeta lírico, dos maiores da língua portuguesa, nasceu em S. Bartolomeu de Messines (Algarve) em 8-03-1830 e morreu em Lisboa a 11-01-1896. Era filho de José Pedro Ramos comerciante, e de D. Isabel Gertrudes Martins.

A primeira instrução recebeu-a em casa, aprendendo então o latim. Em 1849 partiu para Coimbra, e ali, no seminário episcopal, terminou os preparatórios para ir cursar o Direito na Universidade.

O seu desenvolvimento espiritual nada deveu ao ensino universitário, que se achava então num dos seus períodos de maior decadência. No ano de 1850-51 ficou em S. Bartolomeu de Messines, perdendo o curso a que pertencia, e foi então que compôs a sua primeira poesia.

Voltou à Universidade em 1851-52 como «adventício do 2.º ano». Matriculado no 4.º ano jurídico de 1853-54, perdeu-o por faltas.
Em 1854-55 matriculou-se outra vez no 4.º ano jurídico e no 1.º curso administrativo. Em 1855, datada de 15 de Junho, apareceu a sua elegia Oração, com a dedicatória: «À Ex.ma Senhora D. R. C. N.». Era a gentil D. Raquel Nazaré, de uma conhecida família de Coimbra. Pouco tempo passado falecia ela, quase logo depois seguida pela mãe. Sob esta impressão escreveu o poeta outra elegia, com o título de Raquel, dedicada à irmã da falecida, D. Cândida Nazaré.

Tomado o grau de bacharel não regressou à Universidade nos anos de 56 a 58 chegando a pensar em que não terminaria a formatura. A prolongada doença de uma irmã fê-lo regressar a Coimbra em 1858 matriculando-se então no 5.º ano.
A formatura de João de Deus, como ele próprio pitorescamente dizia, «levou 10 anos, como a guerra de Tróia». Ao tempo em que se matriculava finalmente no 5.º ano, com um atraso de 4, tomava matrícula no 1.º Antero de Quental, que desde logo o admirou e exaltou muito. Em 1860, escrevia sobre João de Deus o futuro poeta dos Sonetos: « João de Deus é um desses mancebos, ricos de crença e de esperança, que se erguem por vezes no meio das turba entoando um cântico cheio de frescor e de vida, de bela e poderosa originalidade.

O que é hoje é já bastante; muito, porém, o que pode e deve ser. É muito porque é natural, porque escreve o que sente e quanto sente. Exalta-se pela imaginação, e, sustentando-se aí porque o entusiasmo lhe vem da alma, faz-nos amar e crer, chorar e sofrer com ele, porque o sentimento é real, brota do íntimo.

Homem, chora e alegra-se crê e duvida, como todos nós, como tudo que tem alma, como tudo que aspira ao infinito e se sente encadeado nesta prisão, vendo flutuar eternamente ante si o grande problema da verdade; poeta, sentindo em si a necessidade fatal de exprimir em cantos tudo que lhe vai dentro, diz o que sente na forma que lhe brota espontânea da ideia, fala a linguagem de seu coração… Lendo-se, conhece-se que não é uma inspiração fictícia aquela, porque só a verdade tem o poder de fazer sentir tudo quanto a palavra representa.

Naqueles versos há uma existência de homem que fala; como que se vê palpitar a vida e bater o sangue na artéria». E, continuando a fazer considerações sobre a poesia a propósito de João de Deus, o jovem Antero observava: «A verdade, eis a suma de toda essa legislação» (da estética). Ser natural, eis o supremo preceito». «Verdade», «naturalidade», eram com efeito palavras perfeitamente ajustadas à poesia de João de Deus.

Terminada a formatura em 1859, João de Deus deixou-se ficar em Coimbra no meio dos companheiros estudantes, até ao ano de 1862. Antero interessou-se por que se editassem as poesias compostas pelo seu amigo, e quanto se coligiu para essa edição, que nunca chegou a efetuar-se, foi parar à Biblioteca de Évora, constando de 33 poesias, características da sua primeira fase.

Nos últimos anos de Coimbra propendeu para a sátira, onde se manteve sempre bastante abaixo das alturas a que subiu na lírica. Indo de regresso para o Algarve em 1862, demorou-se em Beja, contratado para a redação do periódico O Bejense. Ocupou-se nessas funções até 1864, deixando ali muitas composições líricas. Em 1868 apareceram as suas poesias coligidas em volume com o título de Flores do Campo, depois de andarem reproduzidas por jornais. Em 1869 foi eleito deputado por Silves, por influência de José António Garcia Blanco e Domingos Vieira, o que levou o poeta a fixar residência em Lisboa.

A política não o atraía, e aceitara a eleição sobretudo por condescendência ao pedido dos amigos; por isso só se conservou numa legislatura, raras vezes aparecendo na Câmara. Durante esse tempo sofreu grandes privações. Passava grande parte do dia e da noite no café Martinho, cavaqueando. O casamento com D. Guilhermina Battaglia (v.) fê-lo abandonar esse costume.

Em 1888 obtiveram para ele a nomeação de comissário geral do ensino da leitura segundo o método de que era autor, e que foi declarado nacional (v. Cartilha Maternal). Em 1868 apareceram as suas poesias coligidas sob o título de Flores do Campo, publicadas por José António Garcia Blanco; em 1878 saiu no Porto uma 2.ª edição, sendo de 1869 a colectânea Ramo de flores. De 1893 é a edição com o título Campo de Flores, organizada por Teófilo Braga, que coligiu tudo que do poeta havia disperso.

O autor deixou em meio uma nova edição do Campo de Flores, que saiu em 1896, na qual foram inclusas mais 120 poesias que se encontravam em diferentes jornais. Em 8-III-1895 fez-se-lhe uma manifestação promovida pela juventude das escolas, apoteose majestosa, como nunca se vira em Lisboa. No cortejo que o foi saudar a casa, iam todos os estudantes das escolas superiores e inferiores de Lisboa, os da Universidade de Coimbra, do Porto, Santarém, Braga, Lamego e Portalegre, etc., com seus estandartes; representava-se toda a imprensa portuguesa, tunas académicas, povo, crianças.

A Academia Real das Ciências e o Instituto de Coimbra proclamaram-no seu sócio de honra. Seguiu-se à manifestação, que se repetira no dia 9, um sarau em D. Maria, a que foi assistir o Rei D. Carlos I e o poeta saiu da sala por sobre capas de estudantes, sendo levado a casa num trem a que os rapazes desatrelaram os cavalos e puxaram por cordas durante o trajeto. Falecido a 11-I-1896, o seu funeral foi outra manifestação verdadeiramente imponente e o corpo ficou no panteão dos Jerónimos, em Belém.


A poesia de João de Deus, de todo alheia a escolas, não tem a marca da respectiva época, conservando-se igualmente distante do erotismo falso, piegas, melodramático, pretensioso, de um degeneradíssimo lamartinismo, que caracterizou a obra dos ultra-românticos, e dos ideais filosóficos, científicos, revolucionários, próprios dos poetas típicos do Terceiro Romantismo. Indiferente a uma e outra escola, João de Deus ateve-se à verdade da sua maneira de ser, simples, ardorosa, encantada e elevada.

Os temas fundamentais da sua lírica são Deus e a mulher, a aspiração religiosa e o impulso erótico. Como escreveu José Régio, «desde a sensualidade cândida à veneração mística, o seu amor adeja buscando a forma, e atingindo o espírito em virtude da natural elevação e da imperturbável inocência do poeta. Inocente, nenhum poeta amoroso o foi mais que João de Deus.

A sua sensualidade expande-se em confissões e enlevos de tanta ingenuidade e frescura, que o desejo, várias vezes presente nos seus versos, aí aparece despido de toda a fealdade. Nada de obsceno, de pervertido, de culpado, de hipócrita, macula a puríssima naturalidade do seu impulso para a mulher. Deste amor sensual, embora alado, ergue-se o poeta ao culto da mulher. O seu amor sobe a chamar-se adoração; e é uma simpatia de alma enlevada, um apelo de ser íntimo e supremo, uma sedução espiritualizada pela religiosidade do amante. De tal amor, em que o poeta místico e o sensual se fundem, não irá grande distância, em certas naturezas, ao amor divino.

O poeta algumas vezes interroga e duvida; mas logo verga a cabeça no seio de seu criador. E a espontânea unção de seu espírito dita-lhe versos – todos os seus versos de carater piedoso – em que a luminosa simplicidade dos processos só tem rival na religiosidade do sentimento ou na originalidade da expressão». A primeira poesia escrita por João de Deus parece ter sido Pomba (1851), publicada primeiro no Eco do Lima e depois no Campo de Flores.

As revistas em que apareceram as suas primeiras produções poéticas, quase todas ditadas a amigos que depois as faziam sair a lume, foram:

Estreia Literária, Ateneu, Instituto (todas de Coimbra), Prelúdios literários, Fósforo, Academia, Renascença, Tira Teimas, Herculano, etc., etc. Além das edições já mencionadas, houve: Horácio e Lídia (uma ode de Horácio), Comédia num acto em verso por F. Ponsard, etc., traduzida também em verso, e acompanhada do original, Lisboa, 1872; Pires de marmelada, improviso académico, Lisboa, 1869; Despedidas do verão, poesias; Folhas soltas, Porto, 1876; Cartilha maternal de leitura, com numerosas edições a partir de 1876; A cartilha maternal e a imprensa, Lisboa, 1877; A cartilha maternal e o apostolado; a tradução dos Deveres dos filhos, obra de Th. H. Barrau, Lisboa, 1875; Dicionário prosódico de Portugal e Brasil, Lisboa, 1870; as traduções de quatro peças de Méry: Amemos o nosso próximo, parábola em 1 ato. Ser apresentado, comédia em 1 ato, Ensaio de casamento, comédia em 1 ato, A viúva inconsolável, comédia em 4 partes; a versão da Vida da Virgem Maria, de monsenhor Darboy, arcebispo de Paris, Lisboa, 1873; Grinalda de Maria, prosa do padre António Vieira, versos de João de Deus, Lisboa 1877;

Os Lusíadas e a conversação preambular, carta a Avelino de Sousa, 1880; Provérbios de Salomão, 1886, Campo de Flores, ed. Econômica, com mais 15 poesias que a anterior (1897), e Prosas, 1898 (póstumo). Em 1905 a antiga Casa Bertrand editou O Festival de João de Deus, apoteose da autoria de Teófilo Braga. Em 1930 saiu uma antologia da lírica, organizada por Afonso Lopes Vieira, com o título O Livro de amor de João de Deus (Lisboa, Bertrand).

O Algarve erigiu-lhe na Praça D. Francisco Gomes, em Faro um modesto monumento e a Câmara deu a uma das ruas próximas do Liceu, que também se denomina «Liceu João de Deus» o nome do grande poeta. No jardim Guerra Junqueiro, o antigo Passeio da Estrela, de Lisboa, foi inaugurado em 1942 um busto do poeta. Têm o nome de João de Deus os jardins-escola fundados por seu filho João de Deus Ramos.

OBRA POÉTICA

Flores do Campo (1868),
Folhas Soltas (1876) e
Campos de Flores(1893)

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