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27 de set. de 2010

HORIZONTE

(Painting by Nkolika Anyabolu)

O mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,

Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
'Splendia sobre as naus da iniciação.
Linha severa da longínqua costa-
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta

Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves, flores,
Onde era só, de longe a abstrata linha

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa, e, com sensíveis
Movimentos da esp'rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte

A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte -
Os beijos merecidos da Verdade

Fernando Pessoa
de Mensagem- 2ª parte - O mar português -

17 de set. de 2010

"A rua respira"


a rua respira de um amarelo minúsculo,
nos dedos a poesia gasta-se.
com algemas nasceu uma rosa corroendo a paisagem,
e é Setembro.
chegaram os sopros pungentes da iluminação.

certamente vestirei um acto inútil,
perderei do sentido a noção.

ouve-me,
ainda que as esferas no meu sangue se esbarrem, o vento
continua a empurrar as aves
que conduzem trenós, e a ternura é veloz.


Maria Gomes
(Portugal)

1 de set. de 2010

José Eduardo Agualusa


Antes que venham as primeiras chuvas
acender
Amarelas flores entre os rochedos
E o céu se torne móvel de compridos pássaros
E todo o chão se cubra do verde novo
Do capim
Saberás pelo vento que chegaste ao fim.


José Eduardo Agualusa
(Huambo, Angola; 13 de Dezembro de 1960)

'Poema para Iludir a Vida'


Tudo na vida está em esquecer o dia que passa.
Não importa que hoje seja qualquer coisa triste,
um cedro, areias, raízes,
ou asa de anjo
caída num paul.
O navio que passou além da barra
já não lembra a barra.
Tu o olhas nas estranhas águas que ele há-de sulcar
e nas estranhas gentes que o esperam em estranhos
[portos.
Hoje corre-te um rio dos olhos
e dos olhos arrancas limos e morcegos.
Ah, mas a tua vitória está em saber que não é hoje
[o fim
e que há certezas, firmes e belas,
que nem os olhos vesgos
podem negar.
Hoje é o dia de amanhã.


Fernando Namora,
in "Mar de Sargaços"