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26 de set. de 2013

ATÉ MAIS,...ANTÒNIO RAMOS ROSA !


''Tal como antigamente''

Tal como antigamente tal como agora
essa estrela esse muro
esse lento
esse morto
sorrir
nenhum acaso
nenhuma porta
impossível sair

[António Ramos Rosa]

(Faro, 17 de Outubro de 1924 - Lisboa, 23 de Setembro de 2013)

''Escrever é procurar corresponder''


Escrever é procurar corresponder
Ainda que não se saiba a quê ou se esse quê existe
A nossa liberdade nasce de uma incerteza radical
E a sua metamorfose é a invenção de um espaço
De correspondências que visam uma esfera inviolável

Nunca sabemos mas precisamos de desenhar a forma de um caminho
Que vai até ao extremo do silêncio e reflui para o espaço
Das nossas vidas sonâmbulas e incertas
E que nos abre o peito para uma respiração de estrelas vivas
Embora continuemos a deambular no deserto

O silêncio do tempo diz-nos que é a única realidade
E que ela nos conduz à degradação e à morte
Mas a ingênua energia de desejo impele-nos cada dia
A procurar a tranquila liberdade de um equilíbrio novo
No espaço da palavra dentro do incessante círculo do tempo

[António Ramos Rosa]

(Faro, 17 de Outubro de 1924 - Lisboa, 23 de Setembro de 2013)

''ESTE HOMEM QUE PENSOU''


Este homem que pensou
com uma pedra na mão
transformá-la num pão
transformá-la num beijo

Este homem que parou
no meio da sua vida
e se sentiu mais leve
que a sua própria sombra

António Ramos Rosa
In: Viagem através duma Nebulosa, 1960

''ESCREVO VERSOS AO MEIO-DIA''


Escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no ato de escrever sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objetos atiram as suas faces
e na minha língua o sol trepida

melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde"

[António Ramos Rosa]

(Faro, 17 de Outubro de 1924 - Lisboa, 23 de Setembro de 2013)
in "Estou vivo e escrevo sol"
 
"Enquanto a sociedade mantiver a sua rigidez e as suas múltiplas, patentes ou ocultas formas de repressão, onde a vida não pode desenvolver-se em
toda a plenitude e dignidade, a poesia deverá ser o que ela já é nos mais significativos poetas do nosso tempo: uma afirmação de dignidade e de liberdade humana"
.
[António Ramos Rosa]

(Faro, 17 de Outubro de 1924 - Lisboa, 23 de Setembro de 2013)
 

Nossa homenagem ao poeta falecido na segunda-feira, António Ramos Rosa (1924-2013), uma vida dedicada à poesia.

Morreu esta segunda-feira em Lisboa, aos 88 anos, o poeta e ensaísta António Ramos Rosa, um dos nomes cimeiros da literatura portuguesa contemporânea, autor de quase uma centena de títulos, de O Grito Claro (1958), a sua célebre obra de estreia, até Em Torno do Imponderável, um belo livro de poemas breves publicado em 2012. Exemplo de uma entrega radical à escrita, como talvez não haja outro na poesia portuguesa contemporânea.
Nascido no Algarve (Faro), sul de Portugal, António Ramos Rosa (1924-) é considerado um dos mais representativos poetas portugueses da atualidade. Foi funcionário de escritório, professor e tradutor, antes de se dedicar com exclusividade à poesia. Editou revistas literárias, escreveu críticas e ensaios.
Escreveu “versos ao meio-dia” para agitar com um clarão um país mergulhado no breu da ditadura. Findo o crepúsculo, seguiu a contemplar a luz da natureza numa terra eternamente submersa. Prémio Pessoa 1988, o poeta deixa mais de 50 títulos.

(Faro, 17 de Outubro de 1924 - Lisboa, 23 de Setembro de 2013)

20 de set. de 2013

'O Espelho''



Esse que em mim envelhece
assomou ao espelho
a tentar mostrar que sou eu.

Os outros de mim,
fingindo desconhecer a imagem,
deixaram-me a sós, perplexo,
com meu súbito reflexo.

A idade é isto: o peso da luz
com que nos vemos.

- Mia Couto,
de "Idades Cidades Divindades",
Lisboa, Caminho, 2007.

1 de set. de 2013

''DIA-A-DIA''

Os dias são sempre depois dos dias
E, entre eles, as noites, os sonhos, o acordar!
E a esperança!
E o acreditar que amanhã também vai ser dia!
E a vida ...

...que não pare em qualquer beco
Sem saída!

A vida,
Os dias,
As noites,
Os sonhos ...


Joaquim do Carmo
De: 'Amanhecer pelo fim da tarde'
Pag. 29 Lua De Marfim Editora- abril- 2013 -

''ESTRELAS DE OUTONO''

Folhas secas e amarelas
A cair, leves, no chão,
Trazem segredos que o verão
Contou, de ti, às estrelas
Quando, amor, no meio delas
Brilhavas e teu clarão
Lhes dava a doce ilusão
De serem flores, das mais belas!

De teu sorriso, a alegria,
De teu olhar a esperança
Que ao peito dá confiança
E à noite a luz, que nem dia
Elas me falam; mas, fria
A aragem do vento dança
E, humedecendo a lembrança,
Lhes torna a vida sombria!

E as saudades do luar
De Agosto, nas noites claras,
Das praias que iluminaras
Com teus olhos cor de mar,
Já só lhes deixam sonhar
Que as alegrias, tão caras
E, agora, mais e mais raras,
Desse tempo hão de voltar!

Joaquim do Carmo
de 'Amanhecer pelo fim da tarde'
Pag. 80.