Seja bem-vindo. Hoje é
31 de ago. de 2009
BEIJA-ME...
(Burt Lancaster and Debora Kerr, in 'From Here To Eternity')
Beija-me
Sobre a areia fria, úmida do mar,
No sal da espuma alada
Que afaga de onda em onda os nossos pés,
No cintilar das estrelas álgidas, solitárias na noite,
Sobre os ossos lisos de corpos esfacelados e sangrentos.
Ajuda-me a lutar,
Envolve-me em teus braços
E deixa-me chorar a minha solidão
E a tua.
Teresa Balté
28 de ago. de 2009
Opaco
27 de ago. de 2009
Poema àquela certeza
É esta certeza que o tempo intercepta
– grave rumor do salgueiro ao vento
vento rumor próprio do tempo.
É esta certeza que o rio desenha
na água o vidro....no fundo a sombra
sombra da sombra que se faz na água.
É esta certeza que o vento impele
na água a folha ....no fio do tempo
tempo do tempo que o rio engendra.
É esta certeza que o rumor acende
e deixa no ar redemoinhos
círculos de vento que o vento leva.
Vieira Calado
UM FADO: PALAVRAS MINHAS
Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen
(Lisboa-1934-)
"árvore de outono com brincos de princesa"
(Egon Schiele- Austria 1890-1918)
no quadro onde
as árvores adotam os
filhos
por momentos
onde eu passei a falar
com as folhas sem aprender
a voar sem aprender
a voar ou a bulir as
pressas do vento
onde o que existe no meu passado
se escusa e o que habita os dias
se chama chão e sentado
no frio que vem da luz
por momentos escondo
o peito, terreno onde os
filhos se plantam e se
encheu de ar
onde o quadro é uma mancha clara
que egon não sabe explicar.
Valter Hugo Mãe
(Angola -1971-)
Anjo
(Paint by Lee Herrman)
Não o pombo futurista mas a sombra
no ângulo vazio a folha de hera
e as orquídeas brancas na garganta
a vertigem do grito o labirinto a lâmina
as aves que evoluem não regressam
devoraram o espaço onde existiam
assinalam agora outras galáxias
cicatrizes rosáceas
a asa é o recanto da memória
o vértice onde o corpo não pesou
agora só gorjeio a harpa morna
musgo nos olhos o anjo de granito
ANJO II
A ascensão da noite é a memória
o recanto da pomba partilhado
a asa de outra ânfora o regaço
onde os labirintos que te acordam
repousam sob o lago
o horizonte ausente não abriga
a dissonância viva de um limite
o espelho cego aguarda não existe
o nó que te sufoca e reanima
o regresso do rosto à superfície.
Teresa Balté
in:Metamorfoses, 1980
(Lisboa-1942)
25 de ago. de 2009
ALGUMAS COISAS
A morte e a vida morrem
e sob a sua eternidade fica
só a memória do esquecimento de tudo;
também o silêncio de aquele que fala se calará.
Quem fala de estas
coisas e de falar de elas
foge para o puro esquecimento
fora da cabeça e de si.
O que existe falta
sob a eternidade;
saber é esquecer, e
esta é a sabedoria e o esquecimento.
Manuel António Pina
in "Aquele que Quer Morrer"
A meu favor tenho o teu olhar
A meu favor tenho o teu olhar
testemunhando por mim
perante juízes terríveis:
a morte, os amigos, os inimigos.
E aqueles que me assaltam
à noite na solidão do quarto
refugiam-se em obscuros sítios dentro de mim
quando de manhã o teu olhar ilumina o quarto.
Protege-me com ele, com o teu olhar,
dos demónios da noite e das aflições do dia,
fala em voz alta, não deixes que eu adormeça,
afasta de mim o pecado da infelicidade.
Manuel António Pina
In O Caminho de Casa, 1989
22 de ago. de 2009
ITINERÁRIO DO SILÊNCIO
RECOMEÇO
Avançam devagar pelo mundo
de olhos fixos no outro lado das coisas
onde o sol nunca se põe
- uma luz que pode ser pálida
como o rosto envolto na antiga mortalha.
Ao fundo, o molhe recebe a névoa
e as gaivotas que não sabem onde
se refugiar nem como fugir
- quando, ao olhar para cima,
o alto e o baixo se confundem em nada.
Assim, nada se distigue, de facto,
do que é obscuro neste mundo;
e a própria noite habita este dia
- no qual não vejo nem o sol, nem o mar
nem o teu olhar sob uma erosão de pálpebras.
Nuno Júdice -
in: Por Dentro do Fruto a Chuva - Antologia Poética
17 de ago. de 2009
Fascinação
Canta-lhe o vento as áreas que conhece,
E nenhuma perturba aquele olhar.
Nenhuma o transfigura ou adormece
E o tira de sentir e de fitar.
Terra de consciência iluminada,
Limpa na sua luz pensada e fria,
A celeste canção enluarada
Nenhuma paz humana lhe daria.
Não, porque o vento só conduz aladas
Forças que oscilam a raiz;
E aquele olhar quer descobrir paradas
Seivas da vida que a razão lhe diz.
Miguel Torga
in; Poesias completas
16 de ago. de 2009
Cantiga de embalar
(Autoria desconhecida)
Embala-me, embala-me,
E canta-me cantigas,
Cantigas antigas de embalar meninos.
- Que a tua voz seja um cântico
Onde a minha alma descanse
E alcance os seus destinos.
Que tenha sonhos brancos e suaves,
Aves roçando leve o meu sonhar
Embalando breve, junto a ti, sonhando.
- Ó noite velha, sem estrelas e sem lua,
Nua e tua sinto bem minha alma
Na calma de um lugar agónico e brando.
E canta, canta, meu amor, encanta
Com essa tua voz sonhada e benta,
E lenta, lenta, meu amor, tão lenta.
- Deixa correr a vida! Que importa a vida,
Se no ponto da partida
No teu canto o meu anseio se atormenta!?
António Sousa Freitas
(Buarcos, Figueira da Foz a 1 de Janeiro de 1921 – Lisboa, a 30 de Junho de 2004)
14 de ago. de 2009
Licor
(Magnolia sprengeri 'Copeland Court')
existe uma flama perpétua na alma
que nos liga ao indivisível arquejar do sopro divino.
apesar do tecido poroso que se estende para lá das dobras,
a melodia da água pulsa,
nas ondas do incomensurável,
em ténues suspiros que nos chamam incessantemente.
nos estios dourados,
tristezas também fazem as magnólias em flor.
e o pólen beija as searas em chuva.
Vicente Ferreira da Silva
TANGAR
Amo quem ama o tango...
vou tangar até morrer
nessas pampas tão argênteas
onde os corações se perdem
e as almas voam eternas
se dançar é ser etéreo
e ter asas para voar
deixarei o cais terreno
pelo espaço sideral...
perderei peso corpóreo
serei mais leve que o ar
girarei ao som do vento
e ao marulhar do mar...
Joaquim Evónio
(1938)
7 de ago. de 2009
PENDÊNCIA
Ao longo da existência
do Ser
debate-se,
na sua formação e evolução,
a oposição
do Eu exterior
ao Eu interior.
Social
ou individual?
Dizer o que se pensa
ou o que os Outros querem ouvir?
Sujeição da vontade pessoal?
Dilema da verdade existencial!
Vicente Ferreira da Silva
in Metafísica [Poética]
SONETO CLÁSSICO
Subi um dia pela tarde aquele monte
donde as coisas do mundo que habitamos
fazem crer-nos, de longe, que julgamos
ver de perto, ao longe, o horizonte.
Alta serra de luz cegando a fronte,
quando ao ponto mais alto nos chegamos
das coisas desse mundo que avistamos
já não vemos se vemos lago ou fonte.
E do alto da serra contemplei
em plena luz, a luz que iluminava
o aparente sossego que reinava.
Desci depois do ponto onde cheguei,
mas só quando na terra descansei
é que entendi que vista me enganava.
Vieira Calado
O TEMPO PASSA À FLOR DUM VIDRO
Se não é viva...
6 de ago. de 2009
A mão feliz
Há palavras que têm no poema uma função teatral
como as palavras com que se sai de cena.
É então que a mão pousa a caneta
pensando ser capaz de pegar na chávena
ou regar as plantas
nua.
A mão feliz está rodeada por palavras até à ponta dos dedos.
Sentamo-nos à mesa com elas
o nosso modo de amar depende delas
e os nossos beijos são a língua delirante do poema.
Depois da cena inútil da caneta pousada sobre a mesa
em que a mão sente que sofre um sofrimento
que não é de ninguém
um milagre acende o gesto que se perde na distância
de um "lá" que ninguém olha,
maravilhosa palavra com que saio do poema.
Rosa Alice Branco
(Aveiro 1950)
LIBERDADE
Ser livre é querer ir e ter um rumo
e ir sem medo,
mesmo que sejam vãos os passos.
É pensar e logo
transformar o fumo
do pensamento em braços.
É não ter pão nem vinho,
só ver portas fechadas e pessoas hostis
e arrancar teimosamente do caminho
sonhos de sol
com fúrias de raiz.
É estar atado, amordaçado, em sangue, exausto
e, mesmo assim,
só de pensar gritar
gritar
e só de pensar ir
ir e chegar ao fim.
Armindo Rodrigues
(1904-1993)
3 de ago. de 2009
2 de ago. de 2009
POEMA PARA ANNE FRANK
Onde uma flor cresce,
onde uma palavra se faz carne,
onde um raio de luz se continua,
onde umas mãos se dão,
onde o beijo é bandeira,
onde um hino se canta,
onde o Amor é Pátria,
onde os céus e as árvores,
os pássaros e os homens
se transformam,aí está viva e pura
*Anne Frank,
aí estaremos nós.
(Outubro, 1957.)
António Rebordão Navarro
*Anneliese Marie Frank, mais conhecida como Anne Frank. Nasceu a 12 de Junho 1929 , foi uma adolescente judia obrigada a viver escondida dos nazistas durante o Holocausto. Escreveu um diário onde referia as condições horrendas onde foi obrigada a viver durante o holocausto. Mas principalmente foi uma sobrevivente, pois só foi descoberta em 1944, foi levada para um campo de extermínio (Bergen-Belsen) onde morreu com febre tifóide (Março 1945). Nasceu em Frankfurt am Main , sendo a segunda filha de Otto Heinrich Frank de e de Edith Hollander , uma família de patriotas alemãs que teriam participado da Primeira Guerra Mundial.
1 de ago. de 2009
Todas as Noites me Sinto
Todas as noites me sinto
igual aos desconhecidos.
Sou a criança que sou,
só quando o tempo pára.
Fico em mim,
fora dos músculos.
Por que se movem os deuses
quando o sol cresta as formigas?
Lendas da luz da noite
secam todo o movimento.
Seguro a vida
por desespero.
Orlando Neves
in "Trovas da Infância na Aldeia"
(1935-2005)
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