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30 de mar. de 2010

Tiro a máscara

(Kasimir Malevich- 1878-1935 Russia)

À queima-roupa, tiro a máscara
com que me desfiguro e transfiguro.
Desenho na cara o mirante
donde se avista a via-sacra das quimeras.
Transmuto o medo
e projecto na alma um pássaro solto,
volúvel e imprevisível como um rio.
Construo, no meu peito, o vaso baptismal
onde a minha orfandade se redime.

Graça Pires
De Labirintos, 1997

FUGA


Vento que passas, leva-me contigo
Sou poeira também, folha de outono.
Rês tresmalhada que não quer abrigo
No calor do redil de nenhum dono.


Leva-me, e livre deixa-me cair
No deserto de todas as lembranças,
Onde eu possa dormir
Como no limbo dormem as crianças.


Miguel Torga
In: Antologia Poética

22 de mar. de 2010

Mar Morto


A noite caiu sobre o cais, sobre o mar, sobre mim...
As ondas fracas, contra o molhe, são vozes calmas de afogados.
O luar marca uma estrada clara e macia nas águas,
mas os barcos que saem podem procurar mais noite,
e com as suas luzes vão pôr mais estrelas além ...
O vento foi para outros cais levar o medo,
e as mulheres, que vêm dizer adeus e cantar,
hoje sabem canções com mais esperança,
canções mais fortes que a ressaca,
canções sem pausas onde passe uma sombra da morte...
Velhos marítimos — a terra é já a sua terra —
olham o mar mais distante e têm maior saudade...
Pára o rumor duns remos...
Não vão mais às estrelas as canções com noite, amor e morte...
Penso em todos os que foram e andam no mar,
em todos os que ficam e andam no mar também ...
E a luz do farol, lá longe, diz talvez...


Alberto de Serpa
In “Pregão” – 1952- Edições Saber
(Porto, 12 de Dezembro de 1906 - 8 de Outubro de 1992)

Cada verdade


Agora que os milénios se passaram
Sobre as glórias do império de uma infância
Recordo, debruçada na distância,
O muito que esses tempos me ensinaram.

O tanto que então lia e pesquisava,
As construções das cores e dos grafismos
E a dissecação dos silogismos
Em que uma maioria acreditava…

As coisas que aprendi, as que sonhei,
As que nunca pensei `inda aprender
E os sonhos construídos na vontade…

Hoje procuro ainda o que não sei
Nos mais fundos recantos do meu ser
Onde alcanço encontrar cada verdade.


Maria João Brito de Sousa

Descaminhos



Depois de perdido
No labirinto dos olhares do mundo,
Arrancado aos eixos de um tempo linear,
Afogado nas horas disfarçadas de azul-celeste...

Depois de devidamente
Arrancadas as raízes,
Podados os ramos do sentir,
Colhidos os frutos que podiam ser úteis,
Apontaram-lhe
O caminho politicamente correcto
Na direcção do cativeiro travestido de sorrisos.

Nesse mesmo dia,
Desenraizado,
Despojado de frutos,
Despido de sonhos,
Amputado de afectos
E devidamente encaminhado...

Aprendeu a voar por dentro.

Maria João Brito de Sousa
(Algés, Concelho de Oeiras,4 de Novembro de 1952)

17 de mar. de 2010

E-Book



Homenagem ao exepcional poeta português VICENTE FERREIRA DA SILVA.
Clique no livro para ler o e-book. Dê um enter na tecla F11, pra ficar com tela cheia e uma visualização perfeita.

E-Book



Nossa homenagem a linda e talentosa poeta Graça Pires. Clique na setinha para ler,tecle
F-11 para uma visualização perfeita.

Poema da Utopia



A noite caiu sem manchas e sem culpa.
Os homens largaram as máscaras de bons atores.
Findou o espetáculo. Tudo o mais é arrabalde.

No alto, a utópica Lua vela comigo
E sonha coalhar de branco as sombras do mundo.
Um palhaço, a seu lado, sopra no ventre dos búzios.
Noite! Se o espetáculo findou
Deixa-nos também dormir.


Fernando Namora

15 de mar. de 2010

Miguel Torga



"Agora,
o remédio é partir discretamente,
sem palavras,
sem lágrimas,
sem gestos.
De que servem lamentos e protestos,
contra o destino?"

Miguel Torga

12 de mar. de 2010

E- Book, homenagem ao poeta Vieira Calado.


Homenagem ao especial poeta Vieira Calado.
Clique na florzinha para ler o livro. Use a tecla F-11 para ter uma visualização de tela inteira.

Tantas Flores


Tantas flores quietas
suspensas desde o tempo ido...!


Aguardam o indefinido,
através horas inquietas,
através horas sem sentido...


E sofrem de agudas setas...


O vago ramo prometido!



Saúl Dias
In: Obra Poética
Sangue (1952)

9 de mar. de 2010

HOMENAGEM À MULHER

(Fotografia de minha filha)

Belo
é caminhar por entre o verde
saber que se ganha e que se perde
e ficar-se a sorrir, sempre.

Belo
é ver cair à volta o mundo
ouvir-se o lamento do moribundo
e ficar-se a rir eternamente.

Belo
é não pensar, não ler, fantasiar
e nas grandes noites
apenas sonhar, sonhar.

Belo
é o grande mar, o céu azul
e o doido que ri
sem saber o que quer ou o que não quer.

Mas o mais belo de tudo
é a mulher.

Todo o belo que existe cabe em si.

Vieira Calado
In ‘ Poemas Primeiros’

É SEMPRE POSSÍVEL



É sempre possível reinventar uma história
para nós próprios,
um caminho desobediente, um grito de ontem,
um delírio figurando um cântico.

A nossa condição de passageiros
é a exacta norma do sonho,
o devaneio fantasmagórico dum réptil
embasbacado ao sol, inocente das noções de tempo,
passado e futuro, a história
que podemos ler nos olhos dos outros,
ou nas infinitas divagações do vento.

Fantasiemos, pois, um caminho tardo e lesto
de imaginárias flores num deserto
para a nossa sede sem recurso,
a não ser a possível ciência de inventar
outro azul para os olhos dos vindouros
nossos filhos.

Vieira Calado
In "Por detrás das Palavras"

A PASSAGEM DOS DIAS



Se, com o tempo, perco e encontro o que é
igual e diferente, perdendo o igual no que
é presente e vendo a diferença no passado
da presença, ao tempo dou o mesmo que

penso no que foi pensado sem viver,
vivendo agora o pensamento que não
tive, como vento que por aqui passou
e tudo na mesma deixou: árvore seca

cujo ramo vive, flor amarga num azul
de céu, ribeiro que a margem prende,
ave pousada num fio de silêncio. Assim,

ao tempo restituo o que é dele, e tudo
o que é dele o tempo me dá, igual e
diferente, com o seu fruto amplo e mudo


Nuno Júdice

CREPUSCULAR



A incerteza cai com a tarde
no limite da praia. Um pássaro
apanhou-a, como se fosse
um peixe, e sobrevoa as dunas
levando-a no bico. O
seu desenho é nítido, sem
as sombras da dúvida ou
as manchas indecisas da
angústia. Termina com a
interrogação, os traços do fim,
o recorte branco de ondas
na maré baixa. Subo a estrofe
até apanhar esse pássaro
com o verso, prendo-o à frase,
para que as suas asas deixem
de bater e o bico se abra. Então,
a incerteza cai-me na página, e
arrasta-se pelo poema, até
me escorrer pelos dedos para
dentro da própria alma.


Nuno Júdice

SAUDADE



Espero por ti no fim do mundo
ou no princípio dele,
enquanto as sementes secam ao sol
que não nasce
e as palavras se perdem
num verso sem peso nem medida.

És a que não chega:
promessa do amor que enche
os espelhos, brilho
da treva que assombra
o cristal.

E quando olho pela janela,
como se viesses do fundo da rua,
só a tarde dobra essa esquina
que te viu partir
com os olhos húmidos da manhã nua.


Nuno Júdice
do livro:Por Dentro do Fruto a Chuva