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27 de mai. de 2010
Tabacaria (excerto)
[...]
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
[...]
... e o dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos
excerto de TABACARIA / 1928)
24 de mai. de 2010
"Um breve olhar"
Lá em cima, no ar
Sobre a monotonia destas casas
Sulcando, sereníssimas, os céus,
Abrem a larga rima das suas asas,
Lenços brancos do azul, dizendo adeus
Ao vento e ao mar.
Eu fico a vê-las
E meus olhos, de as verem, vão partindo
E fugindo com elas;
E a segui-las eu penso,
Enquanto o olhar no azul se espraia e prega,
Que há uma graça, que há um sonho imenso
Em tudo o que flutua e que navega…
Para onde se desterram as gaivotas,
Contra o vento vogando, altas e belas,
Essas voantes e pairantes frotas,
Essas vivas e alvas caravelas?
Vão para longe… E lá desaparecem,
Ao largo, por detrás do monte;
E os nossos olhos olham e entristecem
Com as vagas saudades que merecem
As coisas que se somem no horizonte!
Afonso Lopes Vieira
In "Canção do Vento"
(Leiria, 26 de janeiro de 1878 - Lisboa, 1946)
Sobre a monotonia destas casas
Sulcando, sereníssimas, os céus,
Abrem a larga rima das suas asas,
Lenços brancos do azul, dizendo adeus
Ao vento e ao mar.
Eu fico a vê-las
E meus olhos, de as verem, vão partindo
E fugindo com elas;
E a segui-las eu penso,
Enquanto o olhar no azul se espraia e prega,
Que há uma graça, que há um sonho imenso
Em tudo o que flutua e que navega…
Para onde se desterram as gaivotas,
Contra o vento vogando, altas e belas,
Essas voantes e pairantes frotas,
Essas vivas e alvas caravelas?
Vão para longe… E lá desaparecem,
Ao largo, por detrás do monte;
E os nossos olhos olham e entristecem
Com as vagas saudades que merecem
As coisas que se somem no horizonte!
Afonso Lopes Vieira
In "Canção do Vento"
(Leiria, 26 de janeiro de 1878 - Lisboa, 1946)
18 de mai. de 2010
Um olhar
Se um dia passares pela nascente de um rio
visita a minha sombra húmida,
indiferente à inquietação das árvores
carregadas da memória do vento.
Pára e inclina sobre ela um olhar tão cúmplice
como quem, com lentíssimas mãos,
pressente o apelo dos lábios.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
(Link do blog da autora)
visita a minha sombra húmida,
indiferente à inquietação das árvores
carregadas da memória do vento.
Pára e inclina sobre ela um olhar tão cúmplice
como quem, com lentíssimas mãos,
pressente o apelo dos lábios.
Graça Pires
De Conjugar afectos, 1997
(Link do blog da autora)
9 de mai. de 2010
VIII
Ontem, sentado num penhasco, e perto
Dos águas, então quedas, do oceano,
Eu também o louvei sem ser um justo:
E meditei, e a mente extasiada
Deixei correr pela amplidão das ondas.
Como abraço materno era suave
A aragem fresca do cair das trevas.
Enquanto, envolta em glória, a clara Lua
Sumia em seu fulgor milhões d'estrelas.
Tudo calado estava: o mar somente
As harmonias da criação soltava,
Em seu rugido; e o ulmeiro do deserto
Se agitava, gemendo e murmurando.
Ante o sopro de oeste: ali dos olhos
O pranto me correu, sem que o sentisse.
E aos pés de Deus se derramou minha alma.
Alexandre Herculano,
em A Harpa do Crente
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