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20 de mai. de 2009

Poema a boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça
Calado estou, calado ficarei
Pois que a língua que falo é de outra raça

Palavras consumidas se acumulam
Se represam, cisterna de águas mortas
Ácidas mágoas em limos transformadas
Vaza de fundo em que há raízes tortas

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas
Nem só animais bóiam, mortos, medos
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos

Só direi
Crispadamente recolhido e mudo
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo

José Saramago

2 comentários:

  1. Ótimo Blog!

    palavras de saramago sempre tocam a alma. Passarei aqui mais vezes.

    Quando puder visite-me e conheça meu trabalho.

    Abraço

    Eduardo

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  2. Mada, teu blog é SHOW! Uma bela surpresa ler poemas tão lindos e profundos. Parabéns, amiga, pela iniciativa. Abraço do Brasil a todo o povo português.

    Sylvia Narriman
    www.passagensemarcas.blogspot.com
    www.sylvianarriman.blogspot.com

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