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27 de jul. de 2013

VENDAVAL



        VENDAVAL

        Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
        Não achas, soprando por tanta solidão,
        Deserto, penhasco, coval mais vazio
        Que o meu coração!

        Indômita praia, que a raiva do oceano
        Faz louco lugar, caverna sem fim,
        Não são tão deixados do alegre e do humano
        Como a alma que há em mim!

        Mas dura planície, praia atra em fereza,
        Só têm a tristeza que a gente lhes vê
        E nisto que em mim é vácuo e tristeza
        É o visto o que vê.

        Ah, mágoa de ter consciência da vida!
        Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
        Que rasgas os robles - teu pulso divida
        Minh'alma do mundo!

        Ah, se, como levas as folhas e a areia,
        A alma que tenho pudesses levar -
        Fosse pr'onde fosse, pra longe da idéia
        De eu ter que pensar!

        Abismo da noite, da chuva, do vento,
        Mar torvo do caos que parece volver -
        Porque é que não entras no meu pensamento
        Para ele morrer?

        Horror de ser sempre com vida a consciência!
        Horror de sentir a alma sempre a pensar!
        Arranca-me, é vento; do chão da existência,
        De ser um lugar!

        E, pela alta noite que fazes mais'scura,
        Pelo caos furioso que crias no mundo,
        Dissolve em areia esta minha amargura,
        Meu tédio profundo.

        E contra as vidraças dos que há que têm lares,
        Telhados daqueles que têm razão,
        Atira, já pária desfeito dos ares,
        O meu coração!

        Meu coração triste, meu coração ermo,
        Tornado a substância dispersa e negada
        Do vento sem forma, da noite sem termo,
        Do abismo e do nada!

       Fernando Pessoa, 16-2-1920.

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