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17 de out. de 2013

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O elevador deixou de funcionar não se sabe
quando mas a escada ainda serve

O que esta para cima não importa do rés-do-chão
ao vigésimo andar é senhorio do vento e das
poucas aves que sobreviveram

Embora se afirme que em um dos milhares de
compartimentos do edifício uma mulher ainda não
parou o mais longo gemido da história do mundo

E também se diz que em outro dos compartimentos
um homem aguarda que lhe cresçam as
unhas o suficiente

Para espetando-as nos olhos chegar com elas ao
côncavo do outro lado do crânio, até porventura
fazer calar o gemido invisível e abrir novos olhos
para um mundo atrás deste

Mas o caminho por enquanto é para baixo menos
um menos dois menos três ditos caves ou subterrâneos
ou casas-fortes

Entre o primeiro e o segundo o elevador mostra
o que resta do contínuo e do diretor principal

Ainda que não seja possível distinguir um do
outro nem perguntando

Por acaso ficaram todas as portas abertas ou tiveram
forças para se abrirem no último momento
que lhes restara para isso

Razão por que podem os perceber sem necessidade
de melhor lição a diferença entre riqueza mobiliária
e riqueza imobiliária

Pelos corredores e salas reforçadas consoante as
correntes de ar as notas voam com aquele rumor que
fazem as folhas secas quando roçam umas nas outras

Enquanto os lingotes de ouro brilham sob uma
luz que misteriosamente não se apagou

Como uma espécie de podridão fosforescente e venenosa


José Saramago
in ‘O Ano 1993’

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